“ANDANDO SOBRE O MAR”
Depois que o Salvador deixou a multidão
A comentar dos pães a multiplicação,
Subiu ao monte e ali, ficou a contemplar
A beleza do céu e a poesia do mar.
Sentindo o coração pulsando confortado
Pelo grande milagre há pouco realizado,
Sabendo que o fizera apenas pelo amor
Que sempre dedicara ao pobre pecador;
Fazendo reflorir na paz e na alegria
A vida que murchava à dor de cada dia,
E fazendo brotar, numa festa de rosas
Os tristes corações e almas dolorosas...
E foi talvez ali, naquela solidão,
Que Jesus recitou a mais doce oração...
Caía a tarde... ao longe, um barco navegava;
Soprava a ventania, o mar se revoltava
E as ondas a rolar, ameaçadoramente,
Pareciam querer tragá-lo, de repente...
Os discípulos seus estavam lá – coitados!
Pelo negro terror da morte dominados...
Pescadores leais – homens do mar – como eram,
Diante da tempestade eles logo souberam
Que já não lhes restavam a mais leve esperança...
Tudo estava perdido... a não ser que a bonança
Por milagre de Deus, não tardasse demais...
E Jesus, que do monte os contemplava em ais,
Moveu-se de piedade e veio devagar,
Leve, como a virtude, andando sobre o mar...
Quadro maravilhoso aquele! Quadro lindo
Que o tempo consagrou com seu valor infindo!
Nem as famosas mãos dos grandes escultores,
Nem o Gênio dos mais afamados pintores
Poderiam gravar, no mármore ou na tela,
Aquela aparição divinamente bela:
- O mar encapelado, o céu a lampejar
E Jesus, muito leve, andando sobre o mar.
No seu medo, porém, os discípulos vêem
Apenas um fantasma a lhes surgir no além.
Mas, tal como a bonança esplendorosa e pura,
A voz do Salvador soou-lhes com doçura:
- Não temais, que sou Eu! Tende bom ânimo, porque
O Pai que tudo sabe, o Pai que tudo vê,
Sentiu a vossa angústia, ouviu vossa oração
E vos mandou, por mim a sua redenção.” –
Então Pedro exclamou: - “Se és tu, ó Mestre amigo;
Se és tu mesmo, Senhor, manda-me ir ter contigo!
E Ele lhe disse: - “Vem!” –
Pedro seguiu, mas logo
Vacilando, gritou: - “Senhor, eis que me afogo!
Ó salva-me , Senhor!”
E o Mestre o segurou
E, muito paternal e calmo lhe falou:
- “Por que duvidaste, homem de pouca fé?
Tem ânimo! Levanta e firma-te de pé!
Pois aquele que crê e é salvo pela graça
Pode ordenar ao vento.. e a tempestade passa...”
E entrando ambos no barco, o mar ficou sereno,
Como a própria expressão do olhar do Nazareno...
O céu tornou-se azul... cessou do vento o açoite...
E a lua, que surgiu para o esplendor da noite,
Era a coroa astral de Deus no firmamento
E o símbolo de luz do Novo Testamento...
E os discípulos vão agradecidamente,
No íntimo elevando aos céus a prece ardente,
Libertos afinal do peso das agruras,
Aprendendo do Mestre, à luz das Escrituras,
As mais belas lições e os conselhos mais sábios,
Sentindo os corações sem mágoas nem ressábios:
Claros – como o esplendor balsâmico do luar,
Leve – como Jesus andando sobre o mar.
Autor: Mário Barreto França – De: “RIOS NO ÊRMO”